Fiocruz Debate Saúde E Agroecologia Com Juventudes Quilombolas Do Rio De Janeiro E São Paulo

Atividade do projeto Ará reuniu cerca de 60 pessoas no Quilombo Boa Esperança, em Areal

Aline Ricly (Fórum Itaboraí / Fiocruz) e Angélica Almeida (Agroecologia / VPAAPS) / Publicado em 01/11/2023
 

Um intercâmbio envolvendo juventudes quilombolas, indígenas, caiçaras e periféricas foi realizado nos últimos 27, 28 e 29 de outubro no Quilombo Boa Esperança, em Areal (RJ). Participaram cerca de 60 pessoas entre representantes locais, de outras regiões do Rio de Janeiro, como a Zona Oeste do Rio e da Costa Verde, e do estado de São Paulo.  Membros do Quilombo da Tapera, do Movimento dos Pequenos Agricultores com atuação em Bonfim (Petrópolis), da Aldeia Rio Bonito e Quilombo da Fazenda (em Ubatuba), bem como do Quilombo do Camorim (Rio de Janeiro) estiveram presentes.

A atividade compõe as ações do Projeto Ará, coordenado pela Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) em articulação com o Fórum Itaboraí, programa da presidência da Fiocruz em Petrópolis; o Campus Fiocruz Mata Atlântica; e o Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, fruto da parceria entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT). Uma série de organizações sociais, governamentais e comunidades também é parceira da iniciativa.

Marcelle Felippe da Agenda de Saúde e Agroecologia/VPAAPS explica que o objetivo do intercâmbio foi proporcionar integração e troca de saberes, dialogando sobre lutas por direitos, desafios comuns enfrentados, bem como sobre ações transformadoras, a fim de fortalecer o protagonismo das juventudes na defesa de suas comunidades.

“As juventudes estão ensinando muito para gente e para os seus territórios que a renovação não é esquecer o passado. Muito pelo contrário: passa pelo resgate dos seus ancestrais, pela força de aprender com as mais velhas e mais velhos e, a partir disso, criar novos mundos possíveis em que as violências, os preconceitos e a criminalização de suas práticas sejam combatidos”, avalia.

Uma caminhada percorreu o Quilombo com relatos de moradoras e moradores sobre o passado de resistência contra a escravidão e como a comunidade permanece sofrendo violações de direitos e resistindo às ameaças à vida com dignidade. No Morro da Pedra, ápice da caminhada feita pelo grupo, estão as nascentes de água que abastecem, em maior parte, a comunidade. Lá muito foi dito sobre a invisibilidade do Quilombo perante o poder público, que se expressa em questões estruturais como a contaminação das águas, a falta saneamento, de iluminação e de mobilidade urbana, diante da péssima condição das estradas e insuficiência de transportes, as fragilidades nas políticas públicas de saúde, entre outras problemáticas.

Em um diálogo entre gerações, as pessoas mais antigas, guardiãs das memórias e práticas tradicionais (griôs), contaram histórias e compartilharam seus conhecimentos, a exemplo do feitio de rapadura e melado no Engenho do Moinho cuidado pelo Celso da Cruz Fonseca e família. Diversas receitas locais preparadas pelas mulheres da comunidade puderam ser saboreadas, como feijoada, frango com quiabo, bolos e geleias, proporcionando, ao mesmo tempo, uma alimentação saudável e nutritiva e a geração de renda local.

A ancestralidade negra e valores como respeito às diversidades foram celebrados em uma noite que integrou moradoras/es e visitantes por meio de oficinas de capoeira, maculelê, “Escravos de Jó” com bambu e samba de roda. No último dia de atividade, com orientação da Fiocruz Petrópolis, uma horta vertical com ervas medicinais, aromáticas e plantas comestíveis não convencionais (PANCs) foi construída para presentear a escola que acolheu a atividade.

 

“A gente é um só. Só muda o endereço”

As violências presentes nos territórios, as formas de enfrentamento coletivo aos desafios e os sonhos das juventudes para o futuro das comunidades foram objeto de discussão em grupos específicos e ampliados, como modo de reconhecer semelhanças e especificidades vivenciadas.

As temáticas que sobressaíram nos diálogos foram aprofundadas e expressadas por meio do Teatro do Oprimido, que abordou questões como a regularização fundiária e o direito de uso dos territórios, a segurança alimentar e nutricional das famílias, a ausência do poder público, as violências contra as mulheres, a evasão escolar e a gravidez na adolescência.

“A gente pôde perceber que todos os territórios têm quase o mesmo problema e só muda o endereço. Esta troca faz com que todos nós nos fortaleçamos e lutemos em prol de uma luta só que é a igualdade racial, que é a busca de uma vida mais sustentável por meio da agroecologia” afirma Estefanie Rodrigues Barbosa, coordenadora social, ambiental e fundiária da Associação dos Remanescentes do Quilombo de Boa Esperança (ARQBE).

Tupã Mirim, da Aldeia Rio Bonito, em Ubatuba, relata o mesmo senso de pertencimento e união entre as juventudes: “Este intercâmbio fortalece nossa resistência de luta e de conhecimento para as comunidades que vivem aqui, e não são diferentes de nós. É a mesma luta. Luta por terra, por demarcação. Eu espero que daqui para frente a gente possa estar mais junto enquanto indígena, quilombola e caiçara. É uma grande honra ser indígena e estar aprendendo junto para ajudar os nossos mais velhos na luta”, afirma.

Jovem quilombola da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Hérick Santos destaca que foi possível reconhecer que as juventudes estão à frente dos processos de participação política em diferentes organizações sociais e de mobilização social nos territórios, somando esforços com as pessoas mais antigas das comunidades.

“A gente estava pensando como seria fazer um intercâmbio com tantas regiões distantes e diferentes. Hoje, olhando pra tudo como se formou, eu vejo que não é tão distante: as histórias, as dificuldades, os sonhos são tão próximos, que parece que a gente cresceu junto e todo mundo vivencia as mesmas coisas. É uma coisa muito potente que não vai parar por aqui, eu tenho certeza”, reflete.

 

Agroecologia como potencializadora de lutas por direitos

Ao longo do encontro, foi destacado como a agroecologia atua na promoção da saúde, não só por meio de práticas sustentáveis, mas também como proposta de transformação das relações entre as pessoas e com a natureza, buscando romper com violências e desigualdades.

Marcelo Izaias, assistente social do Fórum Itaboraí, afirma que estar em contato e reflexão com outras comunidades contribui para que as/os jovens tenham uma visão mais crítica, desnaturalizem violências e construam alternativas diante das ameaças aos seus territórios.

“Alguns temas abordados vão fazer com que os jovens tenham mais fôlego para desenvolver as ações comunitárias. Neste intercâmbio, tiveram oportunidade de ver que outros jovens têm as mesmas dificuldades, conseguiram resolver ou estão em processo de resolução de algumas questões e que eles podem trocar essas ideias”, pontua.

Desde o começo do projeto Ará, as juventudes são parceiras prioritárias para a ação territorial. Em 2022, foi realizado um intercâmbio no Quilombo do Bracuí (https://portal.fiocruz.br/noticia/fortalecer-vinculos-na-promocao-da-agroecologia-no-estado-do-rio-de-janeiro-vivencia-do) e também houve diálogo entre as juventudes em encontro na Fiocruz Mata Atlântica (https://portal.fiocruz.br/noticia/projeto-ara-conecta-experiencias-de-promocao-da-saude-e-agroecologia-no-rio-de-janeiro), que indicou a importância de outro momento específico de diálogo. Assim, desde maio de 2023, foi retomada uma agenda de reuniões com as juventudes Ará, que participaram ativamente da construção deste intercâmbio.